Introdução
Ao
caminhar pelas estradas da vida, quando soube diferenciar o eu do tu, quando
sua consciência lhe mostrou a alteridade de outros seres que não ele, o homem
percebe nas margens e periferias objetos e grandezas que lhe atraem a atenção.
Elas possuem um brilho especial. Esses “outros” lhe convidam à contemplação. O
homem quer possuir o ser belo, leva-o para casa. Não se contenta em ouvir aqui
acolá o canto do pássaro, deseja que o pássaro esteja sempre com ele. Ele o
aprisiona porque antes fora por ele aprisionado. Ele enxergava a natureza, mas
não a via. Mas vê que não existe só um
ser belo, conhece a variedade e a graduação desses seres. Aquilata-os.
Entrega-se aos mais supremos. Descobre-se apaixonado pelo sublime, a plenitude,
pelo grandioso, infinito e eterno. Descobre a sua vocação: o destino para o
alto. Cogita Deus e se vê um com o cosmos criado belo, mas num nível superior.
É a mais nobre das criaturas terrenas convidada a fazer comunhão com o Sumo
Criador. Mas quando se encontrará definitivamente com essa presença invisível
de beleza incomparável? Como a possuirá? Quem será prisioneiro de quem?
A
nossa visão de beleza cumprirá o roteiro disponibilizado pelo Símbolo de fé dos
Apóstolos, o Credo Niceno-Constantinopolitano. Primeiro discorreremos sobre a
beleza das criaturas e natureza, depois do homem e seres angelicais, para
chegar à beleza divina da Trindade no Pai, no Filho e no Espírito Santo. Passaremos
pela Igreja em sua missão de levar a celebração da liturgia celestial
antecipada na terra e a espiritualidade dos filhos de Deus aos homens de “boa
vontade” que oram “Nele” em Espírito e em Verdade. Por fim trataremos da contemplação da
realidade primordial: o Paraíso.
Capítulo
I: Creio em Deus Pai todo-poderoso, criador do céu e da terra.
O homem descobre o belo
Que é a Beleza?
Que é o Belo? Na tradição cristã da patrística e escolástica a
beleza é definida como o transcendental do ser, algo do essencial. Dedicamo-nos
agora a engendrar uma visão panorâmica dos filósofos e teólogos que discorreram
para definir a beleza:
Em Santo Agostinho “é o esplendor da ordem,” splendor ordinis (apud ALDAZABAL,1986 ,
P. 293)
Santo Tomás: “Aquilo
que quando é visto, agrada” pulchra
dicuntur quae visa placenta (Comentário Sobre os Nomes Divinos, IV, P.5)
Von Balthasar:
“A beleza rodeia sempre, com um brilho impalpável, o rosto do verdadeiro e
do bom”( apud PASTRO, 2008, P 26)
Heidegger: “A beleza é consequência da verdade” (apud SILVA, Antônio Almeida Rodrigues
da, 2011, P 68)
Philocalia
(amor
ao belo, texto da tradição oriental cristã):
“o belo é contrário ao superficial, ao ornamental e extrínseco”.
João Paulo II na carta aos artistas, 1999: “A beleza
é sem certo sentido, a expressão visível do bem, assim como o bem é a condição
metafísica da beleza”
Segundo Dionísio, o Aeropagita, “A beleza é um dos nomes de Deus”[1]
O
homem descobre-se belo: Em Deus o homem é luz
Encontramos em Charles Lalo: “A beleza humana é superior à beleza animal e esta à beleza vegetal ou
mineral, se assim se pode dizer”.
Cláudio Pastro entende que o universo da arte é
eloquente porque é linguagem simbólica do mistério humano que se volta para o
alto.
Como seria um processo da elaboração de uma obra de
arte? A obra de arte é concebida no insight,
gestada quando é trabalhada, nascida quando posta à vista dum público- aliás,
toda arte individual tem ressonância para o coletivo, não se faz arte para ser
guardada, mas posta à vista de todos quantos queiram ver, ouvir, e tocar- mas só morre enquanto não vista e não ouvida.
Ressuscita em nova vida para uma nova existência no homem que por ela é tocado,
quando a visita.
Qual a essência da beleza? Ela é de natureza
objetiva ou subjetiva? Marco Aurélio, imperador romano, dizia que “Tudo aquilo
que é belo, seja como for, é belo em si mesmo... a beleza não necessita de
admiradores. Toda joia, o ouro, a púrpura, conserva seu brilho mesmo que
ninguém a veja. Uma flor ou um arbusto”.
Plotino vê por outro ângulo a objetividade da arte: A beleza é uma participação
transcendental que se realiza nos objetos. “O belo só existe para aquele que é
belo”.
Santo Agostinho também se pergunta a mesma coisa:
“As coisas são belas porque agradam ou agradam porque são belas? Respondo sem
vacilar: agradam porque são belas!”.
O Segundo Concilio de Nicéia (7º Concílio Ecumênico)
dá seu ponto de vista: “O que se pinta, o que se canta, o que se plasma nas
formas visíveis não pode ser diferente do conteúdo invisível. O ícone é a
suprema realidade do mistério (Mys-Terium).
Já Cláudio Pastro faz notar que há uma ortodoxia na
arte. Arte e fantasia se opõem. Conteúdo e forma, necessariamente, devem casar.
A questão não fica de todo resolvida segundo todos
os seus aspectos, certamente, mas ao menos fica a certeza de que a objetividade é a condição para que haja um
estudo estético para julgar obras belas e de qualquer modo, os objetos já
existem antes de nós na natureza. Se existem objetos belos, eles o são antes de
nós. Mas se eles só se tornam belos para o homem, a estética foi feita para ele
também e para os objetos passiveis de serem melhorados, embelezados,
aperfeiçoados.
Para que serve a beleza? Quando se fala muito em
beleza é porque predomina o feio. Isso porque a beleza é uma real necessidade
do ser humano. Os homens se incomodam com o feio, o desorganizado, o sujo, o
rebaixado, o poluído, o disforme. Tudo parece melhorar quando fica mais bonito.
Quanto mais bonito melhor. Se não existe beleza no objeto, reconhece-se que ele
é imperfeito, com qualidades, mas imperfeito, não completo, não acabado, não
pleno.
A beleza atrai e seduz todo o ser humano, afinal
beleza “formatiza” em mim um pensamento, uma emoção, e até uma personalidade?
Pergunta-se Cláudio Pastro. E responde: Porque ela chega a dar-nos definições.
A beleza é sinal de “outra coisa” além do imediato[2].
Pela beleza dá-se uma catarse, uma fusão; abre-se um
horizonte que ultrapassa regras, palavras e emoções e gera novos encontros a
ponto de encantar e seduzir tocando profundezas não percebidas pela razão.
A beleza nos sacia e nos esvazia ao mesmo tempo nostalgia
do paraíso e expectativa do paraíso aqui e agora.
Diante da beleza suspiramos, respiramos fundo. A
beleza é uma presença. É um encontro. Uma pintura ou uma obra de arte nos permite observar uma
realidade degenerada sem que nos degeneremos com ela porque ao aproximar-se de
um cadáver, sinto nojo com o que vejo, náusea pelo seu cheiro, e medo pelo que
o pensamento sugere quanto ao mesmo destino que terei, morrer, enfim. A obra de
arte retira os inconvenientes do “ao vivo”, para nos aproximar do “aos olhos”,
“ao espírito”.
Há de se
considerar também os inconvenientes da obra de arte. Nunca na arte, na obra, vemos a coisa como um todo. A observação
da obra vai exigir da imaginação aquela capacidade de “preencher as lacunas” e
ir além do que a obra mostra ou em verdade o que ela realmente quer mostrar.
Isto traz o inconveniente para alguns que terão que interpretar a obra, coisa
que não é acessível a muitos, pois não são ”treinados para ver o belo”, reina a
pouca instrução, a pressa, o imediatismo. Não se saboreia a arte! É notório que
alguns querem forçosamente ensinar ou insinuar que a admiração da arte seria
coisa de doutos e cultos, o que não é verdade. A premissa válida é universal e
verdadeira: todo homem ama a beleza, por conseguinte, também a arte.
Por outro lado, a obra de arte liga os elementos que
na natureza estão isolados, separados, para demonstrar à mente do público a
mensagem velada das criaturas em relação ao criador quando se se apercebe por
ela o termo de causa e de efeito, origem e destino de cada coisa.
Capítulo II: [...] De todas as
coisas visíveis e invisíveis
Estética e beleza
Que beleza se torna critério de valorização de cada
beleza?
A perfeição ou a perfeita imitação?
A beleza não está na perfeita técnica.
A beleza não é produto do ser humano, existe
independentemente.
A beleza não se limita ao estético. Perpassa a
realidade do objeto para entrar no universo da pessoa, do interior, do
subjetivo.
Na Antiguidade Clássica, Estética é exclusivamente
Filosofia do Belo. O Belo era uma propriedade objetiva. Cada objeto a possuia
ou não. Fazia parte do seu modo de ser ou não. Existia o Belo da Natureza e o
Belo da Arte. Eram os dois braços de um mesmo rio. Discutia-se quem era maior,
quem estava no topo da vida. Uns prezavam (como Platão) pela Beleza da
Natureza. Para ele o mundo terreno era imitação imperfeita de uma realidade supraterrena
perfeita. Se a Beleza do mundo era imitação, por isso inferior, bem mais
inferior era a arte, imitação da imitação. Já uns com Hegel veem na Arte uma
criação mais perfeita, pois uma vez criada a natureza, a arte é duas vezes
criada: pelo Espirito Absoluto e pelo espírito humano. Fica a critério de o
homem moderno escolher entre os dois campos de batalha dessa gnosiologia.
Mas por que, perguntavam-se os antigos, o feio não
entra nas categorias da estética se tanto ele quanto a beleza atraem para si
quase que a mesma porção de artistas? A Estética passou a abrir suas portas
para o que não era especificamente Belo, como o Trágico, o Sublime, O Gracioso,
O Risível, O Humorístico, O “Terribilis
et Fascinans” (terrível e fascinante). O esteticismo se divide então
basicamente entre a Arte do Belo e a Arte do feio, tendo entre esses extremos,
todas essas categorias estéticas. A guerra agora travada era para saber se a
Estética merecia o status de Filosofia ou simples Ciência da Arte.
Reconheceu-se que não podia ser somente ciência por que a própria ciência tem
seu berço na filosofia, e que as definições conceituais deveriam inegavelmente
passar pelo crivo da veracidade, adequação e inadequação, ou seja, a depender
da lógica e metafísica filosófica.
O termo Ciência do Estético pareceu por demais
tautológico, não dizia nada além do que repetir o conceito sem o esclarecer. A
definição do Belo voltou à arena conceitual. Foi impossível abandoná-la para definir
a Estética: É “Filosofia, Ciência do Belo, Beleza”.
Mas ainda resta uma questão importante a considerar:
Que vantagem existe, para a Arte e a Beleza, em serem dissecadas friamente por
um frio conhecimento abstrato. A Arte e a Beleza parecem nos dizer os
irracionalistas: “São tão sagradas, vivas, e fecundas quanto a vida, e
submetê-las ás especulações da Estética é matá-las nos que elas tem de mais
nobre e atraente” [3].
Moritiz Geiger é da opinião comungada por artistas e irracionalistas de que o
supremo e intangível não é a ciência, mas a vida. O homem de ciência não deve
penetrar no santuário do estético.
Os artistas temeram que a estética tolhesse a
liberdade e criatividade. Por outro lado, não é certo que o artista esteja acima
do bem e do mal. Exige-se dele, para o bem da comunidade humana, moralidade,
ética, respeito ao coletivo, pelo bem da verdade. Por outro lado, todo artista
tem sua própria estética, não pode fugir da estética, assim como a estética ao
raciocinar contra a filosofia em favor da ciência, pensa como filósofo cria outra
filosofia. Cláudio Pastro abre outra discussão que gera um espaço para o
sagrado: A beleza é o cerne, não purpurina... a estética não é um simples
capricho do belo pelo belo... a beleza está para além da estética.
Como
reconhecer a beleza?
O que faz uma coisa ficar bela? O gosto pessoal ou a
mesma coisa bela, ou seja, a coisa bela mesma ou o gosto pessoal que dela
temos?
Platão
afirmando que a beleza de um objeto depende da maior ou menor comunicação que
ele tem com uma beleza superior, absoluta, divina, única Beleza verdadeira, que
subsiste, por si só, no mundo suprassensível das Essências; e Aristóteles
ensinando, logo depois, que a beleza do objeto depende da ordem ou harmonia que
exista entre suas partes (Ariano
Suassuna, Iniciação à Estética, 3ª edição, Recife: Ed. Universitária da UFPE,
1992, 340 p.).
Será que não passou pela cabeça desses dois grandes
filósofos gregos que a beleza não é uma característica objetiva do ser visto,
mas depende daquele que vê? Kant e Charles Lalo pensaram exatamente isso.
É a beleza que se mostra. É ela mesma que se faz conhecer. Não somos nós que a conhecemos, mas ela que primeiro nos
conheceu. E mais do que isso: A beleza faz com que nos conheçamos.
Além do mais, como Kant fez notar, o homem além da
inteligência (razão teórica ou pura, pelo entendimento) e da vontade (razão
prática, livre no mundo), tem também a capacidade de julgar segundo o seu
próprio gosto (juízo de gosto). Ou seja, a fruição da beleza no interior do
homem não depende somente de um fator intelectual. Kant criou uma teoria
subjetivista da beleza que quase acabou por aniquilar a validade da estética
para definir ou julgar o ser estético.
Dizia
Lalo: “Em
si eles [os objetos] não são belos nem feios: são o que são, e qualquer outra
qualificação lhes são extrínseca e vem-lhes exclusivamente de nós”[4]. Ou
seja, a noção de belo depende do espírito do sujeito observador, não do objeto.
Para
nós, a Beleza é uma luz do ser, do objeto, “uma luz que dança sobre a
harmonia”, para usar as palavras de Plotino. No caso da Arte, a imaginação,
através do subconsciente espiritual e ativo, na “noite criadora da vida
pré-consciente do intelecto” imprime ao objeto estético – “quadro, poema,
romance – uma fulguração, uma luz”, para usar a expressão de Jacques Maritain
(Ariano Suassuna, Iniciação à Estética, 3ª edição, Recife: Ed. Universitária da
UFPE, 1992, 340 p.).
Vemos
nessa fulguração, nessa luz, a fruição da beleza essencial superior: Jesus, o “Deus de Deus, a luz da luz, o
Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não criado, consubstancial ao Pai”.
A luz da Luz é a beleza verdadeira que estava no mundo quando fora criado e
nada do que foi criado foi criado sem beleza: “E Deus viu que tudo era [belo] bom”
(Gên. 1, 31).
Componentes da beleza
Os traços da beleza são
forma, figura, luz e cor. A luz é elemento de composição... É preciso luz para
que eu veja a beleza... Ela bate em meus olhos.... Ela reflete os objetos em
mim e eu reflito sobre os objetos por ela.
É preciso espaços vazios. É preciso o obscuro para ver a luz. O realce da
beleza pelo feio.
O belo e o poético
Na metafisica da beleza, procuram-se as categorias
fundamentais da Beleza, para encontrar suas fronteiras. A complexidade do campo
estético se mostrou convidativo á reflexão cautelosa.
A arte é considerada como forma de conhecimento
poético. Atividade criadora. O Belo é Poético. Lembremos, no entanto que
poética, poesis em grego, quer dizer
somente que o poético é obra de artífices, o que incluía a técnica: Ars, artis – trabalho, ação,
concretizada em obras de arte. Hoje poético é sinônimo de belo como qualitativo
de tudo o que possui beleza, não somente os escritos em forma de poemas. O
poético está em tudo: na poesia, na prosa, no teatro, na flor do deserto, etc.
O kalós
surge mais de cem vezes no Novo Testamento. O que o grego e o hebraico dizia
belo (kalokagathia=beleza), o latim
da Vulgata traduziu por bom... e Deus viu que tudo era bom (era belo, tinha
beleza).
Arte (beleza) + sagrado (bondade) = propensos
à união
A verdadeira e a falsa beleza
Exteriorismo,
farisaísmo, tradicionalismo, conservadorismo todos antíteses da beleza moral. Geram escravidão, atrofiam as
perspectivas e o raciocínio, porque os que fazem perder em dinamicidade ganham
em irresolução.
Transfigurar: revelar a
figura verdadeira que está atrás da simples figura, pois a verdadeira arte sacra é de natureza não
sentimental ou psicológica, mas ontológica e cosmológica (Cristo Cósmico)
O essencial e não o acessório
é necessário. Não que se deva abolir o barroquismo, os enchimentos, mas a
beleza essencial, o despojamento nunca perde seu encanto quando tem de
restaurar uma nova ordem ou começar um novo mundo, pois tudo começa do um, do
uno, duma unidade primordial que o que tem de misteriosa tem de eficaz.
Ocorre frequentemente que,
suprimindo o sagrado, a figura perde o sentido. “O espirito não mais vivifica,
tudo se torna permitido, nasce o ídolo”, dizia, Pastro. Nietzsche nesse ponto
errou ao dizer que o sagrado morrera. Está mais vivo que nunca. A cabeça da
hidra se multiplica. Em uma palavra: ídolos. Pois se morre Deus, quem será
divinizado para que possa ser adorado? O ego, a coletividade, a pátria, o
sistema. Opróbios. O desejo de infinidade não se apaga. A sede nunca se sacia,
a fome nunca passa. A fome do eterno é eterna.
Bara King O’Nelson escreveu
certa vez: “A arte é ver, ouvir, tocar... e ser tocado. Tocar o coração e por
ele ser tocado. Tocar a alma-mente e por ela ser tocada. Tocar a
inteligência-fantasia e por ela ser tocada. Tocar o subconsciente e
inconsciente e por eles sermos tocados. Tocar a memória e por ela ser tocado. Tocar
o espírito e por ele ser tocado. Ser artista é ser inspirado em duas frentes de
batalha: o que se inspira do alto com os suspiros de baixo, com suor e
trabalho”.
Os transcendentais
O transcendente
perpassa todas as coisas sem morrer com elas. Não há nada mais belo que a
beleza. Mais verdadeiro que a verdade. Mais bondoso que o bem. Nada pode ser
mais íntegro que a unidade. Beleza, verdade, bondade, e unidade são o que de
mais alto há entre tudo o que existe.
É belo tudo o que pode, sendo verdadeiro, fazer o
bem porque foi pela alegria possuída. Os sintomas da beleza e da verdade são os
mesmos.
A verdade deságua na corajosa honestidade do eu
contra o ego. A unidade se faz comunhão na perfeita conexão dos iguais que
convivem em paz e se respeitam. A beleza se transfigura em cuidado, preservação
das qualidades morais interiores do homem, do homem que pode até não ser belo
exteriormente, mas é belo “por dentro”. Eis a perfeita beleza que interessa ao
“Perene”, ao “Sumo”, ao “Eterno”.
A bondade se eleva em caridade. E não só em caridade
bondosa, mas em doação amorosa a ponto de dar a vida, mesmo a quem não merece.
Merece especial menção dessa doação suprema o sacrifício salvífico de Cristo
que “amou até a morte; e morte de cruz” (Fl.2, 8).
A imagem e a arte
Algumas imagens de beleza são imagens falsas. De fato, a imagem (símbolo) é a única
linguagem universal do homem e do sagrado. Mas um mundo só de imagens (aparências),
sem realidade, seria uma ilusão. Em nosso mundo lotado de consumismo e poder, onde
o tempo não é mais oportunidade para unidade, mas uma unidade monetária, quanto mais imagens
(aparências vazias), mais superficialidades! E o mundo contemporâneo tem tantas
dessas imagens! Propagandas se propagam desesperadamente para serem seu carro
chefe.
O mar tem
superfície e profundeza. A beleza é toda a sua água. Mas se ficarmos só nas
profundezas nunca chegaremos a mergulhar no mistério dos oceanos. É por isso
que as imagens da terra devem dar lugar ás imagens celestes. Perceba que não
estamos afirmando que o que é intra-mundano é falso (Platão), mas inferior.
A imagem, pobre matéria, é a linguagem amorosa que o
criador escolheu para se comunicar: a imagem, a linguagem por imagens, o pensamento
formado por imagens, enfim, o processo de abstração para retirar as imagens do
real na tentativa de encontrar o real ideal.
A crise da arte
Do mesmo modo como a luz atrai os homens e afugenta
as feras, é a beleza que amarra e cega. Ainda assim existe um perigo real de
desvirtuar a beleza corrompida pelas aparências.
Afinal que beleza se busca nos tempos hodiernos? O
modelo de beleza é doentio, mulheres se deformam para conseguir um corpo
perfeito somente no sentido de que servirão de “cabides humanos” e homens ficam
atrofiados apenas para parecerem um pouco mais com o estereótipo de “homem”.
As pessoas comuns estão acostumadas a discorrer
superficialmente sobre o valor da beleza interior acima da beleza exterior. Mas
tamanha hipocrisia se revela quando o dinheiro toma espaço e o amor é tolhido.
No fundo o que os homens desejam é que a arte seja lugar
de expressão dos mistérios do humano. Porque o mistério do amor é maior que o
mistério da morte.
A crise da arte se forma quando as palavras: imagem,
conteúdo e forma/figura ficam desconectados. Em verdade o virtuoso é que é
belo.
A arte deve ser verdadeira; procurar a verdade não
somente da coisa representada, mas daquilo que intenta repassar ao intelecto e
à sensibilidade com a coisa que se representa.
A missão da beleza no mundo
“O
mundo em que vivemos tem a necessidade de beleza para não cair no desespero”, dizia
Pastro. A beleza indica um sentido em direção à verdade. E o sentido leva à
vida. È a primeira coisa que se percebe
da verdade: a sua beleza, a beleza das proposições que se conectam de forma
orgânica. A beleza leva a um encantamento, uma atração, admiração: e segue-se
“A beleza, como a verdade, é a que traz alegria ao coração dos homens, é este
fruto precioso que resiste ao passar do tempo, que une as gerações e as faz
comungar na admiração.”... É preciso contemplar aquilo que somos e não o que
estamos vivendo ou nos fazem viver.
A
beleza pode ser divinizante ou diabólica. Pode unir ou separar. É ambígua por
demais. Ou o ato de criar tem que vir do
Criador Único, ou vai ceder à inércia ou
diante de movimentos pouco populares
para manejo da massa, sejam eles pré, pró ou pós-capitalista .
Será que ainda podemos dizer que há julgamentos
esteticamente puros se o gosto é medido pelo que se vende ou não vende? Será
que é belo fazer da beleza um produto a mais? Aliás, a obra de arte autêntica,
não é de hoje, ficou restrito quase sempre àqueles que podiam pagar muito caro pelo puro prazer de possui-la e
aprisiona-la em suas casas-museu. A diferença estava que um museu pode ser
público. Tal casa não.
De fato, os apelos de arte atualmente são suspeitos
de não estarem modelando novo homem, mas um homem sendo jogado de um lado para
o outro qual dado viciado, literalmente viciado.
Disse certa vez Michelangelo: “A beleza é a purificação do
supérfluo”. Por isso mesmo proposta da beleza é gratuita,
exige tempo, contemplação, observação, namoro e transformação, isto é, àquele
que faz arte ou aquele que a observa pede-se mudança, transformação de vida.
Impossível permanecer igual, passivo, diante do belo. Ainda bem que a beleza é sinal de esperança e de certeza naquilo
que somos e fazemos.
Capítulo III: A beleza na subida
para o Pai criador
A
beleza na natureza
A primeira palavra de
Deus referida aos homens é a beleza da criação, na linguagem das criaturas que
falam de Deus sem palavras, mas com a própria existência. A natureza não é o
sagrado, mas foi a primeira manifestação dele. O Deus invisível se manifesta na
natureza. A palavra divina oculta resplandecente nas criaturas. O homem belo vê
belo tudo que o rodeia. Está embriagado pela beleza. Só é consciente de que
necessita da beleza maior, de beleza suprema, porque já bebeu de diversas
fontes e deseja a fonte inesgotável de beleza inaudita. Da grandeza e beleza
das criaturas se conclui, por analogia, o seu Autor. Como que por um processo
de indução, conhecendo os particulares (seres da natureza), se encontra o
universal. Ou pelo de tese (natureza), antítese (nada) chegar-se-á a um
processo de síntese: que entre o ser e o não ser existe o SER TOTAL.
O belo é Deus, o belo é para Deus,
o belo é para os homens
.
O
sol e a lua... Poder-se-ia ajoelhar-se diante deles, mas só como testemunhas do
amor de Deus criador. As imagens são as obras que Deus deixou no mundo (permitiu)
para que pudéssemos por elas subir até os céus. Usando-as como escada de Jacó e
não como torre de babel. O artista coloca seus dons a serviço de um objetivo
maior. Um ser maior. O totalmente outro.
Sim.
Eram insensatos por natureza todos os homens que ignoraram a Deus e que não
foram capazes de conhecer a partir dos bens Aquele-que-é. Nem de reconhecer,
pela contemplação de sias obras, o Artífice. Mas foi o fogo, o vento, o ar
sutil, a abóbada estrelada, a onda impetuosa ou os luzeiros do céu que tomaram
por deuses e senhores do mundo! Se fascinados por sua beleza os tomaram por
deuses, deviam entender quanto superior é o Senhor dessas coisas: pois foi o
próprio Autor da Beleza quem as criou. E se ficaram assombrados com sua força e
atividade, deviam compreender quanto mais poderoso é Aquele que as formou. Pois
da grandeza e beleza das criaturas se conclui, por analogia, o seu Autor.
Estes, no entanto, merecem menos repreensão, pois talvez só errem enquanto
procuram a Deus e o querem encontrar enquanto procuram a Deus e o querem
encontrar; Pois ocupam-se das suas obras e as perscrutam, mas deixam-se seduzir
pelas aparências, tão belo o que veem! Todavia, nem estes são isentos de culpa;
se foram capazes de conhecer coisas tão sublimes e puderam investigar o mundo,
como não descobririam o Senhor de tais coisas? (Livro da Sabedoria 13, 1-9)
O primeiro sentido da beleza é o sagrado. Quando se
perde, a beleza perde a objetividade. O nosso ser é feito da mesma substância
do mistério. O desejo de um só com Deus. A beleza é encontrar a
unidade plena de nosso ser Ao ser não basta ser. É preciso resplandecer.
O chamam Belo, Beleza, Amor,
Amado. Dão-lhe qualquer outro nome divino que convenha a esta fonte de amor e
plenitude de graça. Belo e Beleza se distinguem e se unem numa só causa que os
une... Chamamos Beleza aquele que transcende a Beleza de todas as criaturas,
porque estas a possuem como presentes dele, cada qual segundo a sua capacidade.
Como a luz irradia sobre todas as coisas, assim esta Beleza a tudo reveste
irradiando-se desde o próprio manancial. Beleza que chama as coisas a si mesma.
Portanto, seu nome Kalós quer dizer Belo, que contem em si toda a Beleza. Se
chama Belo, pois está embaixo de todos os aspectos...Belo eternamente,
invariável... Não é amável em um sentido e desagradável em outro, às vezes Belo
e ás vezes não/ para uns Belo e para outros feio, não. É constantemente
idêntico a si mesmo sempre belo. Nele estava a em grau eminente toda a Beleza
antes que ela existisse, ele é a sua fonte (Os nomes de Deus, de Dionísio, o
Aeropagita).
Beleza e teologia: mistério/mística
O imediato é sinal visível da presença invisível e
superior (perene). O transitório em função do permanente, o mal usado para
destacar o bem, assim como o feio para fazer sobressair a beleza, o escuro
deixando aparecer a iluminação. A arte humana em função da restauração divina.
Cláudio Pastro ao se referir à natureza da arte racional diz: “A arte fala do
ser do homem [...] A arte é a única linguagem universal do homem”.
É como se, apesar das línguas serem diversas, assim
como as linguagens, um espírito universalizante governa a arte. O que permite
que ela seja decifrável por qualquer carne humana espiritualizada.
Para ele, a arte está justamente ansiosa
dessa decodificação. Por que não é somente humana, é teológica, sagrada,
religiosa, mística, espiritual, santa, misteriosa, teofânica, hierofânica.
A teologia e a arte se combinam; ambas tomam em mãos
uma linguagem simbólica e não realista. Está para além do real e da cópia. A
arte está em prestar atenção ao mistério.
Pode-se interrogar: a verdade teológica
é uma verdade real, objetiva e histórica?
O que ocorre com a exigência do
puramente histórico na análise teológica e/ou bíblica é semelhante à capacidade
do pintor em não pintar a realidade no que ele tem de real e exato, mas de
simbólico e abstrato. Poderíamos exigir da arte que seja só realista,
naturalista, e histórica, senão também educativa das coisas mais superiores,
mais abstrata para captar o espiritual e sublime no mundo; simbólica pela
exigência do sentido plural, polissêmico das coisas puras e elevadas? Decerto
que não. Tampouco a teologia pode se abster do simbólico, do não realista, não-
descritivo e não- narrativo. Seria como retirar dela a poesia.
Uma linguagem mística- teológica não é renascimento
de modelos clássicos gregos nem é subjetivismo romântico do século XIX (fadado a
interpretações particulares sem objetivação). A sua verdade é sempre “verdade
de fé” que convida ao assentimento do ser total: coração e mente.
Para a teologia, a beleza artística é transfiguração
formativa. È uma interferência na realidade, na natureza, não simples imitação
da Natureza. Para isso está sempre voltando à sua fonte e raiz de inspiração: o
Nazareno.
A
Trindade e o Belo
Na Trindade, pelo que sugere uma primeira lida na
bíblia ao se referir aos princípios, um é o que planeja, outro é quem realiza, Jesus
disse: “o meu alimento é fazer (realizar) a vontade do Pai” (Jo. 4,34), “Pai,
que seja feito não como eu quero, mas como tu queres” (Mt. 26, 39). E sabemos de que ele falava quando
disse: “Quando eu for elevado da
terra atrairei todos a mim”(Jo. 12, 32). Outro
o que refaz: “Eis que renovo todas as coisas” (Ap. 21,5). “Ele vos revelará
todas as coisas” (Jo. 14, 17). Agora, visto que dentre os transcendentais, a
unidade é a que mais se coaduna com a Trindade, pois é Deus que unifica três
pessoas em si, quem da trindade é a beleza?
O Pai é bom, como fica apreendido em pela própria
boca de Jesus...
O Espírito Santo é o espírito da verdade.
A beleza é Jesus... o homem ideal... ecce homo... “Bendito os peitos que te
amamentaram” (Lc. 11,27).
O amor é unidade...
Deus é amor, disse São Joao. Quem
ama reúne, quem odeia desune. Nesse sentido satanás é o separador.
É claro que do amor não se pode dizer que vive na
mentira, que seja feio. quem ama desmedidamente, vê belo todo o ser....mas o
amor unifica os todos os seres compreensíveis e incompreensíveis.
Ficaríamos tentados a afirmar que seria a categoria
de verdade a que se adequa bem com Jesus pois Joao testemunha: “Eu sou o Caminho e a Verdade e a Vida”(Jo
14, 6). Mas olhando (visium) bem atentamente percebemos
dentro dessa afirmativa proposições de peso que resumem quem é Deus e a relação
entre as pessoas e com o mundo: “Eu sou”:
é Trindade (Deus em sua divindade);“O
Caminho”... Jesus é o caminhante... o peregrino... o andarilho...“A Verdade” é o Espirito: ele vos
ensinará a verdade “A Vida” é Deus
pai, que a todos gerou... (segundo: O
Símbolo Niceno-Constantinopolitano: O filho procede do pai, e o Espirito Santo
procede do Pai e do Filho).
Porque a Bíblia dizer
que quem ver a face de Deus morre? É porque a sua beleza é tão imensa, tão
incomensurável, tão inaudita e inexprimível que a cada vez que visse a Deus o
homem se mataria de amor por não resistir a tamanho acesso de paixão. O pathos grego se faz verdade,
apaixonar-se é morrer.
Capítulo
IV: Deus de Deus, Luz da Luz
Jesus:
beleza visível do Deus invisível
A humanidade no homem é
o ser universal que se encontra com Jesus, o homem transcendental. O Verbo se
fez carne e a beleza se fez vida na matéria. Aqui vale lembrar a interpretação
que a Igreja Grega Ortodoxa dá para a teologia da criação do homem: O homem é a
feito à imagem de Cristo e não Cristo à imagem do homem. Jesus, a imagem
visível do Deus invisível. A imagem de Jesus é a do homem restaurado, o homem
feito e refeito ao modelo de Cristo.
“... e em um
Senhor Jesus Cristo, o unigênito Filho de Deus, gerado pelo Pai antes de todos
os séculos, Deus de Deus, Luz da Luz, verdadeiro Deus de Deus verdadeiro,
gerado não feito, de uma só substância com o Pai; pelo qual todas as coisas
foram feitas; o qual por nós homens e por nossa salvação, desceu dos céus, foi
feito carne pelo Espírito Santo da Virgem Maria, e foi feito homem; e foi
crucificado por nós sob o poder de Pôncio Pilatos. Ele padeceu e foi sepultado;
e no terceiro dia ressuscitou conforme as Escrituras; e subiu ao céu e
assentou-se à direita do Pai, e de novo há de vir com glória para julgar os
vivos e os mortos, e seu reino não terá fim”. (Credo
Niceno-Constantinopolitano)
O que Jesus diz belo,
ele o faz belo. Seu atuar é Belo, Justo, Santo, na justa medida do Amor puro e
sublime, desinteressado a não ser pelo interesse “descarado” que tem pelo
humano. Ele restaura tudo o que é humano. O humano é para ele o ideal a ser buscado,
encontrado e seguido. Seu amor é ágape. A beleza de seu ser está em ele ser
exatamente aquilo que é, nem mais nem menos: o
Unigênito, o Santo, o Ungido, o Filho. A identidade filosófica almejada
entre “ser, conhecer e atuar” é plena em Cristo, Veritatis splendor (esplendor da verdade).
No princípio era o Verbo. E o
Verbo estava com Deus. E o Verbo era Deus. No início Ele estava com Deus. Tudo
foi feito por Ele, e nada do que foi feito, foi feito sem Ele. E o que foi
feito nele, isso era a vida. E a vida era a luz dos homens. A luz brilhou nas
trevas, mas as trevas não a compreenderam. (não a dominaram). O Verbo era a luz
verdadeira (original) que, vindo ao mundo, ilumina todo homem. Estava no mundo
e o mundo existiu por causa dele. Mas o mundo não o reconheceu. Ele veio para o
que era seu, mas os seus não o acolheram. Mas aos que o acolheram, os que creem
no Seu Nome, deu o poder de serem feitos (chamados) Filhos de Deus. Estes, como
Ele, não nasceram do sangue, nem de um impulso da carne, nem do desejo do
homem, mas sim de Deus. E o Verbo se fez carne e habitou entre os homens. E
vimos a sua glória, a mesma que Ele tem como Filho Único ao lado do Pai. Com
amor e verdade. Porque todos nós recebemos, de sua plenitude, bênção sobre
bênção. Porque a Lei nos veio por Moisés; mas a graça e a verdade, por Jesus, o
Cristo. Ninguém jamais viu a Deus; O Único Filho de Deus, Que está existe no seio
do Pai, este no-lo revelou. (Prólogo de São João. Livro de João 1, 1-18)
A revelação cristã no mistério pascal, o Cristo que
a tudo atrai fazendo comunhão é o esplendor da verdade. Isso quer dizer que o
brilho da verdade se acende de forma extraordinária em Cristo. Quem disse isso
com muita propriedade foi São Boaventura:
“Beleza,
não enquanto mero esteticismo, mas como modalidade com que a verdade do amor de
Deus em Cristo nos alcança, fascina, e arrebata, fazendo-nos sair de nós mesmos
e atraindo-nos assim para a nossa verdadeira vocação: o amor.” [5]
Jesus é “o mais belos dos filhos dos homens” (Sl 45/44,3).O esplendor da
gloria de Deus supera toda a beleza do mundo. A verdadeira beleza é o amor de
Deus que nos foi definitivamente revelado no mistério pascal. E isso desagua na
liturgia que o mistério pascal representa e celebra na memoria e atualização
misteriosa do acontecimento da cruz.
.
A encarnação do Verbo na vida humana equivale à encarnação do belo na obra de
arte. . É o casamento perfeito entre letra e música, palavra e ato, verdade e
caridade, vida e arte, natureza e preservação.
Capítulo V: Creio na
Igreja
Beleza e arte cristã
Cada cultura tem suas versões
do belo, do plástico. Todas elas reconhecem além do mais que a beleza tem um
forte apelo religioso, místico, sobrenatural. A própria arte ocidental é fruto
de um apuramento da criatividade artística cristã. Desde aquelas expressões de
arte dos mosteiros, até os corredores da Basílica de São Pedro, a estética
cristã em sua iconografia cristã, na construção das imagens e esculturas
sagradas zelou para manter vivo o desejo de vislumbrar o belo, considerando-o
tão sagrado quanto necessário ao homem de qualquer época. No Oriente, arte
bizantina está como a arte românica para a Europa e da mesma forma o barroco
para a América Latina. Aqui cabe-nos reproduzir as palavras de Paulo VI:
Para todos vós, agora,
artistas, que sois prisioneiros da beleza e que trabalhais para ela: poetas e
letrados, pintores, escultores, arquitetos, músicos, homens de teatro e
cineastas...
A todos vós, a Igreja do
Concílio afirma pela nossa voz:
Se sois amigos da autêntica
arte, sois nossos amigos.
Desde há muito que a Igreja se
aliou convosco.
Vós tendes edificado e decorado
seus templos, celebrado os seus dogmas, enriquecido a sua liturgia.
Tendes ajudado a Igreja a
traduzir a sua divina mensagem na linguagem das formas e das figuras, a tornar
perceptível o mundo invisível.
Hoje, como ontem, a Igreja tem
a necessidade de vós e de voltar-se para vós.
E vos diz pela nossa voz: não
permitais que se rompa uma aliança entre todas fecunda.
Não vos recuseis a colocar o
vosso talento a serviço da verdade.
Não fecheis o vosso espírito ao
sopro do Espírito Santo.
O mundo em que vivemos tem a
necessidade de beleza para não cair no desespero.
A beleza, como a verdade, é a
que traz alegria ao coração dos homens, é este fruto precioso que resiste ao
passar do tempo, que une as gerações e as faz comungar na admiração.
E isto por vossas mãos (apud,
ALDAZABAL, 1986, P. 292)
A
espiritualidade do artista
Uma oração, anterior ao século XI que o iconógrafo
recita antes de pintar diz assim: “...
perdoai os pecados de todos aqueles que veneram essas imagens, que se colocam
piedosamente de joelhos diante delas , prestando assim honra ao modelo que está
nos céus”. Cláudio Pastro alude à preparação a que o artista deve se
dedicar antes de aproximar-se da obra por fazer-se. Para ele tudo começa de
dentro, duma postura humilde diante do mistério: “O artista deve sumir para, nas cores e matérias, o Mistério se
manifestar segundo sua vontade...”
A espiritualidade do fiel
A arte é uma oração porque é uma
atenção para o alto. Oramos com a Igreja na Santa Missa: “Corações ao alto”.
O cristão que age com Cristo
resplandece com ele, torna-se “Alter
Christum”, Outro Cristo. Porque o que o cristão faz é maior do que ele
mesmo: é divino!.
E como a espiritualidade se
baseia na Beleza para ser caminho certo ao sobrenatural? Há duas noções a serem destacadas sobre esse ponto:
O ser humano em
plenitude é integral: “corpo, alma e espirito” (1 Ts 5,23)
Deus é um acontecimento
sensível.
Há os que vivem de procurar se o que sentem vem de
Deus ou dos homens, são seres carismáticos por demais para perceber a exigência
objetiva de do Evangelho de Mateus 25, pois discriminam o humano, para
supervalorizar um tal espiritualismo desencarnado, sentem-se mais puros e
santos que outros, só pelo fato de viverem alienados pensam ser esse a bebida
dos deuses, mas passam longe de querer beber do mesmo cálice de Cristo, que dá
a verdadeira vida: a Vida Eterna. Isso não é espiritualidade; é Apartheid.
Verdadeira
espiritualidade se sente na carne, é humana no mais profundo do termo, pois
para Cristo o humano é o termo ideal do homem. Não é destino de o homem chegar
a ser anjo. Entretanto, quanto mais humano é, mais divino se faz.
Por isso, é mister um
método de educação a partir da beleza. Não somente “utilitarista”, “produtivo”
ou em função do “sucesso”.
A esse respeito Santo
Agostinho pergunta: “De que maneira
seremos santos?” para logo depois responder: “Amando a ele, que é sempre belo. Quando o amor cresce em você, na
mesma medida cresce a beleza”.
A Liturgia
A liturgia é obra publica, e chamada a ser bela para o povo, em nome da
beleza divina, como reflexo.Arte é serviço, função (ars, artis). Liturgia é obra (opus) publica popular.
A beleza é atributo do próprio Deus, é elemento
constitutivo da própria liturgia e não um acessório, um elemento de decoração
dos espaços, ministros e celebrantes.
As arquiteturas das igrejas devem promover uma digna
realização do ato litúrgico “Adorai o Senhor na beleza de seu
santuário” (Sl. 96). Altar, crucifixo, sacrário, ambão, cadeira,
devem estar revestidos de beleza, pois realizam função direta em relação ao
sacrifício eucarístico. Tudo o que for
inerente à celebração deve está orientado para a mistagogia
sacramental.
Santo Agostinho disse: “O homem novo conhece o cântico novo. O cântico é uma manifestação de
alegria e, se considerarmos melhor, um sinal de amor”.
Viver só no prazer dos sentidos é perigoso, agrada
somente a sensibilidade. A beleza do mundo é instigada pela do alto para que
opere segundo sua missão primeira: apontar para cima, elevar o homem. Uma
beleza que levasse para baixo, não é beleza; é desastre. Nós estamos voltados
para cima, nosso bipedismo não nos permite focar o chão, mas o horizonte por
desbravar à frente e o universo desconhecido no alto.
O lado comunitário da beleza gera a festa. Pois
ninguém faz festa sozinho. Era assim que enxergava o povo helênico. Também o
budismo, as religiões indígenas seguem a concepção de que a beleza é a
identidade de um povo, noção que construiu a comunidade cristã.
O direito à beleza gera o direito ao festivo e ao
celebrativo “das cores, canções, danças, poesias, sonhos e utopias” contra a
rotina do cotidiano e o fado do comum. Surge o especial, o solene, o
extraordinário para recarregar as forças na tentativa de recomeçar e melhor.
A festa é a celebração máxima da beleza. A plenitude
clama pela festa. E festa clama pelo belo. E o belo é felicidade!
A beleza não aceita o fazer por fazer. O maior dos
dons dados pelo criador que nos faz mais parecidos com ele: a criatividade gratuitamente,
onde o repouso predomina ao lado do ócio, de modo lúdico, para a contemplação e
o prazer.
Capítulo
VI: E na vida do mundo que há de vir
A
beleza e o paraíso
A arte é antecipação e
expectativa. Mas antecipação do quê? Acerca disto, C. Pastro propõe a coexistência das “Duas posturas”:
1.
“O
sentimento de paraíso perdido, de nostalgia do paraíso – é a busca de
perfeição, felicidade, prazer, próprio do ser humano”.
2.
“O
sentimento de experimentar, de antecipar o paraíso, aqui e agora. É o sentido
de glória, de esplendor, de Shekináh, próprio do ser religioso”.
E continua afirmando que essas duas posturas criam o
templo (novos céus e nova terra); espaço sagrado separado para que próprio tempo se torne sagrado pela dedicação do além-profano, meta-secular...
Se o céu é um lugar, ele é um lugar belo. Se o céu é
uma pessoa, essa pessoa é amorosa. Se o céu é uma realidade supra-humana, é um
universo real, verdadeiro. Se o céu é para muitos diversos não poderá congregar
se for desintegrado. É um termo unificador, aglutinante. No fim haverá um só
rebanho e um só pastor. As parábolas sobre o Reino dos céus (Reino de Deus) só
corroboram essa premissa: A árvore que congrega muitos pássaros, um planta com diversos galhos, a seara de
muitos trabalhadores.
Jerusalém,
Celeste Cidade, Feliz visão de paz, Edificada com pedras vivas tu te elevas
majestosa no alto, como esposa coroada por milhares e milhares de anjos. Ó
Esposa felicíssima, adornada pela glória do Pai. Enriquecida pela graça do
Esposo, belíssima Rainha unida ao Cristo Rei, Esplêndida cidade do céu. As tuas
portas brilham com preciosas pedras. E estão abertas para todos; cada mortal
aqui chega guiado pela virtude, enquanto o amor de Cristo o sustenta no
caminho, o fortifica no sofrimento. Tu, pedra excelsa, és formada de pedras
vivas, que o Divino Artista esculpe, martela, pacientemente dá polimento e
habilmente refina a fim de dar-te o mais vivo esplendor. (Hino de vésperas de
dedicação de uma igreja, apud PASTRO, 2008, P.42)
Cabe-nos esmiuçar as palavras chaves desse cântico:
“Cidade,
construtor” -indicam a necessidade de um arquiteto e
de um Rei ou Imperador. Deus é visto
como o Arquiteto do Mundo que depois de fazê-lo não abandona, mas reina sobre
ele.
“Feliz
visão” é a visão beatíssima da tradição cristã. A
felicidade é conhecer quem é o Pai, ver a face de Deus. O belo é belo enquanto
visto.
“Edificada
com pedras vivas”. Deus é Deus de vivos, não de mortos! Um
edifício vivo é construído e ele o faz com pedras espirituais, que somos nós.
“Coroada”...
a
rainha de todas as virtudes é a beleza(a glória)
“Ricamente
adornada” a imagem parece contrastar com “O reino de Deus não é ouro nem
prata”... “ouro nem prata eu tenho, mas tudo o que tenho te dou”. Só parece
contrastar. Jesus já falara de uma riqueza encontrada no campo. Quem a encontra esconde na terra, vai
e vende tudo o que tem para comprar aquele terreno para ter esta riqueza. Esta riqueza é ele mesmo. A riqueza de divina
é Deus mesmo, que de ninguém precisa para ser o que é (Eu sou o que sou).
“A
glória do Pai e a graça do Esposo”... O esposo é o Espírito,
que casa-se com a Igreja para gerar Jesus para o mundo. A igreja é Imagem de
Maria, que “concebeu pelo Espírito”.
“O
brilho” aparece nas
“portas com pedras preciosas” A beleza é luz, reluz como ouro e pedras
ricas.
“Entrada”.
A
beleza é a porta de entrada nas virtudes, pois é a unidade que a todas
congrega.
A beleza: uma presença
“As palavras criam conceitos, os conceitos criam
ídolos, só o estupor, o encantamento, o maravilhar-se tem o pressentimento de
alguma coisa, coloca-nos diante de uma presença” (São Gregório de Nissa).
Tarde te amei, beleza tão antiga
e tão nova, tarde te amei! Tu estavas dentro de mim e eu estava fora, e fora de
mim te procura; com o meu espirito deformado precipitava-me sobre as coisas
formosas que criaste. Estavas comigo e eu não estava contigo. Retinha-me longe
de ti aquilo que não existiria se não existisse em ti, chamaste, clamaste e
rompeste a minha surdez. Brilhaste, resplandecente e dissipaste a minha
cegueira. Exalaste sobre mim o teu perfume: aspirei-o profundamente, e agora suspiro por ti. Saboreei-te tenho fome
e sede de ti. Tocaste-me e agora desejo ardentemente a tua paz. (livro 7 das
Confissões)
Conclusão
Uma coisa é a beleza nas aparências.
Outra é a aparência de beleza. Tanto o bem quanto o mal atrai, mas ao homem cabe
o uso do discernimento. A beleza na arte convida à interpretação. Satanás
aparece como anjo de luz, mas a sua luz já não existe porque não mais reflete a
luz da glória de Deus, o brilho da sublimidade do Pai. É o pecado que tira esse
brilho da alma humana. Os olhos que enxergam a beleza são janelas da alma.
Olhos que transmitem paz, a beleza do espirito já os tomou para si. Olhos
treinados para ver a beleza são olhos que refletem almas grandiosas. Segundo a
tradição monástica: Nossos olhos foram criados para contemplar o invisível
Assim a descoberta do belo remete-nos a
uma introspecção na descoberta desse belo dentro de nós. O conceito de belo é
superior e intangível, ele é a essência que se revela na beleza das formas, dos
sons, das cores...
Na vida cristã a beleza é plena no Mistério Pascal
de Cristo que manifesta ao mundo a glória de Deus. Beleza, glória e santidade
se homogeneízam em relações: ascendente enquanto se dá o desprendimento do
supérfluo, do acidental rumo ao contingente e essencial e descendente num
processo de “iluminação” das realidades materiais pelo Belo supremo. Eis o
papel litúrgico da beleza na diretriz da Glória e santidade.
[1] Sobre
este pensamento de Dionísio, explicou Paul Evdokimov: a Beleza é um dos nomes
de Deus na sua relação com o ser humano e numa relação de conformação, pois “o
homem é criado segundo um modelo eterno, o arquétipo da Beleza”. Neste plano
das estruturas arquetípicas, a criação do mundo contém em gérmen a sua última
vocação e determina o destino do homem: “Deus concede-nos participar na sua
própria Beleza” os padres adoptam esta perspectiva e estabelecem assim o
fundamento de uma penetrante teologia da Beleza.
[2] Em: O Deus da Beleza: a educação através da
beleza, 2008, Ed. Paulinas
[3]
SUASSUNA, Ariano, Iniciação à Estética, 1992.
[4]
Apud SUASSUNA, 1992, P 182.
[5]
Apud Sacramentum Caritatis, P 44.
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