Translate

sábado, 5 de abril de 2014

“O QUE É HISTORIA?” FICHAMENTO DO LIVRO DE VAVY PACHECO BORGES

Definir o termo Historia é de certo modo desnecessário (Etimologicamente é “investigação”, “informação” e vem do grego), pois estamos permeados pela passagem do tempo a todo momento. Alguns até dizem que tudo é passado, o instante é fugaz e o futuro é ainda nem feto é, tampouco nascituro.

Mas estudar o passado ajuda a entender o hoje para não ser iludido por vãs explicações que legam ao acaso e sorte, destino ou vontade de deuses alheios o bem estar dos homens, enfim, a “casuística” da Historia pode nos afastar dos preconceitos e superstições.

Quem sabe sua Historia pode mudar sua Historia e diferenciar-se de seus antepassados. Como bem diz o ditado “inteligente é o homem que aprende com seus erros, sábio é aquele que nem precisa errar, só precisa ver os erros dos outros para aprender”.
O conhecimento sobre a Historia é processo dinâmico dominado pelas descobertas e não está engessado, visto que não está fundado em dogmas, mas em provas cabíveis.                   É gerúndio e não particípio!

Um problema no entanto se cria: a Historia deve discorrer só sobre o passado ou pode fazer previsões? O que é próprio de sua natureza? A primeira forma de explicar o mundo e a origem das coisas, dos homens e do mundo foram as cosmogonias, e demais mitos gregos. Neles se falava de um tempo que não se ligava diretamente ao agora. Sua visão de mundo era teológica permeada por inúmeros deuses. A vida e a Historia tinha um sentido circular, pois a roda da Fortuna ora deixava um por baixo quanto por cima. A sorte e o acaso praticamente não existiam. Era o fado, a providência dos deuses, a amizade ou a inimizade para com eles que determinava como se desenrolaria a Historia dos homens.

A explicação mítica não desaparece nos nossos dias e está presente em quase todas as culturas e manifestações populares. O que sucede ao misticismo grego como forma de explicar a Historia é a filosofia em sua busca pela racionalidade.
O grego de Halicarnasso, Heródoto, pode ser chamado Historiador com propriedade, pois foi o primeiro investigador que saiu de frente dos papéis e foi ao encontro de culturas estranhas aos gregos para pesquisar e registrá-las em tinta e papel para que as “ações dos homens não se percam no tempo”. 


Depois dele e de Hecateu de Mileto os Historiadores não estão preocupados com um tempo histórico genérico, atemporal até, perdido no passado em que deuses habitavam este mundo, mas a momentos históricos específicos reais ligados batalhas, conquistas de territórios, ascensão de povos e de impérios etc. Não se procuram causas sobre-humanas, mas intra-humanas, dedutíveis pela análise dos fatos, dos eventos históricos.  
Já em Roma o registro da História era pragmático, utilitarista e servia apenas para fazer-se notar a força de seu Império recém-formado a partir dos anais do Rei. A curiosidade grega foi quase abandonada!

Diferentemente dos gregos, os judeus trouxeram uma visão de mundo linear onde a ação de Deus no mundo era corrente de forma invisível nos acontecimentos e nas ações humanas. O Cristianismo segue a mesma linha de raciocínio e afirma que a Historia humana tem uma finalidade: termina em Deus, e um fim: pois assim como um dia nasceu, um dia morrerá. É semelhante à própria vida. O ponto alto dessa revelação aos homens é o Filho de Deus nascido homem, Jesus Cristo, o Nazireu. Os cristãos voltam, portanto, a explicar sobrenaturalmente a realidade, como no tempo das mitologias. A força Cristã no mundo ocidental foi tão grande que a própria Historia da humanidade ficou dividida entre antes e depois do evento natal do “Mestre Galileu”. Desde aí a concepção geral era de que o mundo ficou dividido em dois planos: o divino e o humano; o superior (perfeito), e o inferior (imperfeito). Santo Agostinho, bispo católico foi quem introduziu esta interpretação teológica da Historia, visão de fé que iria permanecer por toda a Idade Média, período posterior à Antiguidade Clássica donde vinham os primeiros filósofos e Historiadores gregos. Nesse tempo tudo era dominado pela atuação e influência da Igreja e seus clérigos. Os documentos históricos dessa época são produzidos pela igreja e por seus membros letrados e até mesmo os reis eram analfabetos.

Na Idade Moderna o papel da Burguesia mudou os rumos de como a Historia era contada. Interessados em comércio e indústria, promoveram um fenômeno de urbanização dos reinos. Devido à expansão comercial pelas Grandes Navegações do sec. XV e XVI os burgueses puderam levar seus ideais humanistas praticamente a todos os recantos do planeta, deixando de lado a panorâmica teológica do período anterior e colocando o homem no centro do mundo outra vez.
Os burgueses entraram em contato com a filosofia grega pelos árabes, promoveram o liberalismo econômico e o racionalismo, e os estudiosos humanistas começaram a usar de técnicas novas de análise de documentos históricos como a Cronologia (estudo da fixação das datas), Epigrafia (estudo das inscrições), Numismática (estudo das moedas), Sigilografia (selos e sinetes), Diplomática (diplomas), Onomástica (nomes próprios), Heráldica (brasões), Genealogia (linhagens familiares), Arqueologia (vestígios materiais antigos), Filologia (escritos antigos). Essas são as disciplinas que auxiliam até hoje a Historia no papel de desvendar o passado.

O Racionalismo é sucedido pelo Iluminismo, Idealismo, Empirismo e Positivismo. Os iluministas viam a Historia protagonizada pela razão humana. O pensamento é que guia a evolução progressiva dos seres humano no tempo. A humanidade dominará ainda mais a natureza e a si mesmo para o crescimento. Gerou-se um otimismo na capacidade individual humana de trabalhar para o seu próprio progresso que vem através da liberdade, contra as forças dos reinos e da Igreja. Nascem estados nacionais com o mesmo ideal, fortificados pelo financiamento privado de burgueses e/ou intelectuais. Surgem inúmeras sociedade de pesquisa, governamentais ou particulares.

O que interessa não é mais a Historia da espécie humana, mas sim das nações para criar uma identidade nacional coesa; é uma Historia escrita sempre sob o viés político.                  É a política que decide sobre a Historia, portanto. Seus Historiadores são conhecidos como românticos, pois falam do passado de seus povos com saudosismo e nostalgia.                            Esse nacionalismo europeu cria alianças e gera concorrências acirradas que vão fazer eclodir uma Grande Guerra Mundial e posteriormente a Segunda.

Contra essa visão restritiva de olhar a Historia nasce uma teoria criada por Hegel: a Lei da Dialética, segundo a qual a Historia gira conforme a oposição de contrários que geram sempre uma nova realidade que não é nem parte da primeira nem da segunda (tese, antítese, síntese).
A evolução da humanidade não é retilínea e indefinida, mas dialética (proposta, resposta e resultado). Nasce no século XX o Materialismo Dialético e Histórico, nascido das mentes de Karl Marx e Fiedrich Engels. Estes são ligados a uma tentativa de transformação revolucionária da sociedade capitalista burguesa vigente, pois acreditam que não basta somente estudar a Historia, é preciso mudá-la. Mas o que é o Materialismo Histórico afinal?

O Materialismo mostra que os homens para sobreviver transformam a natureza,e dominando-a, conseguem pular para um outro estágio: dominar o próprio homem.Em toda a Historia das civilizações há um combate do homem contra o próprio homem. Mas esse domínio não é de todos com todos, mas de classes bem favorecidas economicamente sobre as menos favorecidas. Por isso, para Marx e Engels, não é a Política que comanda as decisões globais das sociedades, mas a Economia (produção dos meios de consumo). Pois as relações entre quem produz e quem consome pode se ver também no olhar sobre os países, quando tínhamos países escravizados, conhecidos como colônias, que davam comida e riquezas através de seu trabalho árduo e tratamento desumano para os países ricos europeus.

Já os franceses iniciaram na década de 30 uma escola de pensamento histórico-crítico conhecida como “Escola dos Anaes” ou simplesmente “Escola Francesa” liderados por Marc Bloch e Lucien Febvre. Em vez do estudo dos fatos singulares, estudam-se as estruturas sociais macro (economia, política, cultura, religião, sociologia etc) e aceitam a Historia total, sob todos os aspectos humanos e áreas do conhecimento e não somente pelo viés político ou econômico.
Mesmo assim sempre houve uma tendência a prevalecer no estudo da Historia uma visão unilateral, fechada dos europeus: o eurocentrismo. Foi a Segunda Guerra com as atuações de sucesso de países como Estados Unidos, Japão e Rússia que o olhar se descentraliza para nações insurgentes no cenário mundial. Hoje em dia a Europa não é mais o centro do mundo e explicar a Historia da humanidade só pelo lado do Ocidente não tem mais razão de ser. Cresce um desejo de se estudar a “Historia das civilizações” já por conta da “Escola dos Anaes”.
Muitos ainda começam a se interessar pela chamada “Historia Serial” que não está preocupada com as mudanças, mas com as permanências. Não pontuam momentos de transição de um período na Grande Historia para outro, mas o que era comum neste ou naquele povo segundo características que nos são universais enquanto seres humanos:             a Historia do medo, da alimentação, do sexo, das classes, até mesmo os detalhes do cotidiano contam dentro dos agrupamentos sociais nessa nova consciência histórica.

Começou-se a criticar, por exemplo, o fato de que a Historia oficial era entendida apenas enquanto Historia escrita. Não se valorizava a oralidade. E por outro lado ainda tem o fato de que existem grupos sociais dominantes que mesmo de modo implícito e não expresso, controlam os dados escritos, documentos e relatórios da realidade a seu favor. E são sempre os que leem que fazem esse controle, nunca os pobres, nunca as mulheres, nunca as classes minoritárias, nunca os escravos, nunca os trabalhadores. A Historia não é contada pelos perdedores, mas pelos que vencem e sobrevivem. Onde ficam os dois lados da moeda? Existirá imparcialidade na Historia?
Algumas mudanças são patentes hoje: antes os historiadores faziam o que lhes ordenava, hoje escolhe seu objeto, seu modo de pesquisa, seus instrumentos, sua maneira de expor o material conclusivo. Quanta mudança! Hoje não são mais neutros ao olhar, imunes ao criticar. Além do mais não é só o Historiador que analisa a realidade. Todos nós temos instrumentos suficientes para debater e rebater. Todos nós estamos inseridos na Historia e fazemos a Historia! Não são os homens do passado que a controem. Somos nós que contruiremos o futuro que um dia passará. E nesse dia seremos passado também!

Hoje a Historia não trabalha sozinha, mas aliada a outras Ciências Humanas como Psicologia, Sociologia, Antropologia, Economia, Demografia, Filosofia, Ciência Política etc). Preconceitos como comparar sociedades e enquadrá-las em desenvolvidas e                             não-desenvolvidas são anacronias. Povos indígenas nada tem de inferiores em relação à sociedade europeia. Assim valorizam-se as diferenças, pois é o diferente que produz o novo.
Enfim, não dá pra se tirar lições de moral da História nem buscar uma filosofia de vida a partir dela, mas dá para reconhecer-se como um membro vital dessa realidade que nos faz indagar sobre nós mesmos em todo tempo e lugar pois a “Historia é filha do seu tempo” e nós somos “Filhos da Historia” e senhores dela!