Definir o termo Historia
é de certo modo desnecessário (Etimologicamente é “investigação”, “informação”
e vem do grego), pois estamos permeados pela passagem do tempo a todo momento.
Alguns até dizem que tudo é passado, o instante é fugaz e o futuro é ainda nem
feto é, tampouco nascituro.
Mas estudar o
passado ajuda a entender o hoje para não ser iludido por vãs explicações que
legam ao acaso e sorte, destino ou vontade de deuses alheios o bem estar dos
homens, enfim, a “casuística” da Historia pode nos afastar dos preconceitos e
superstições.
Quem sabe sua Historia
pode mudar sua Historia e diferenciar-se de seus antepassados. Como bem diz o
ditado “inteligente é o homem que aprende com seus erros, sábio é aquele que
nem precisa errar, só precisa ver os erros dos outros para aprender”.
O conhecimento
sobre a Historia é processo dinâmico dominado pelas descobertas e não está
engessado, visto que não está fundado em dogmas, mas em provas cabíveis. É gerúndio e não particípio!
Um problema no
entanto se cria: a Historia deve discorrer só sobre o passado ou pode fazer
previsões? O que é próprio de sua natureza? A primeira forma de explicar o
mundo e a origem das coisas, dos homens e do mundo foram as cosmogonias, e
demais mitos gregos. Neles se falava de um tempo que não se ligava diretamente
ao agora. Sua visão de mundo era teológica permeada por inúmeros deuses. A vida
e a Historia tinha um sentido circular, pois a roda da Fortuna ora deixava um
por baixo quanto por cima. A sorte e o acaso praticamente não existiam. Era o
fado, a providência dos deuses, a amizade ou a inimizade para com eles que
determinava como se desenrolaria a Historia dos homens.
A explicação
mítica não desaparece nos nossos dias e está presente em quase todas as
culturas e manifestações populares. O que sucede ao misticismo grego como forma
de explicar a Historia é a filosofia em sua busca pela racionalidade.
O grego de
Halicarnasso, Heródoto, pode ser chamado Historiador com propriedade, pois foi
o primeiro investigador que saiu de frente dos papéis e foi ao encontro de
culturas estranhas aos gregos para pesquisar e registrá-las em tinta e papel
para que as “ações dos homens não se percam no tempo”.
Depois dele e de
Hecateu de Mileto os Historiadores não estão preocupados com um tempo histórico
genérico, atemporal até, perdido no passado em que deuses habitavam este mundo,
mas a momentos históricos específicos reais ligados batalhas, conquistas de
territórios, ascensão de povos e de impérios etc. Não se procuram causas
sobre-humanas, mas intra-humanas, dedutíveis pela análise dos fatos, dos
eventos históricos.
Já em Roma o
registro da História era pragmático, utilitarista e servia apenas para fazer-se
notar a força de seu Império recém-formado a partir dos anais do Rei. A
curiosidade grega foi quase abandonada!
Diferentemente
dos gregos, os judeus trouxeram uma visão de mundo linear onde a ação de Deus
no mundo era corrente de forma invisível nos acontecimentos e nas ações
humanas. O Cristianismo segue a mesma linha de raciocínio e afirma que a Historia
humana tem uma finalidade: termina em Deus, e um fim: pois assim como um dia
nasceu, um dia morrerá. É semelhante à própria vida. O ponto alto dessa
revelação aos homens é o Filho de Deus nascido homem, Jesus Cristo, o Nazireu. Os
cristãos voltam, portanto, a explicar sobrenaturalmente a realidade, como no
tempo das mitologias. A força Cristã no mundo ocidental foi tão grande que a
própria Historia da humanidade ficou dividida entre antes e depois do evento
natal do “Mestre Galileu”. Desde aí a concepção geral era de que o mundo ficou
dividido em dois planos: o divino e o humano; o superior (perfeito), e o
inferior (imperfeito). Santo Agostinho, bispo católico foi quem introduziu esta
interpretação teológica da Historia, visão de fé que iria permanecer por toda a
Idade Média, período posterior à Antiguidade Clássica donde vinham os primeiros
filósofos e Historiadores gregos. Nesse tempo tudo era dominado pela atuação e
influência da Igreja e seus clérigos. Os documentos históricos dessa época são
produzidos pela igreja e por seus membros letrados e até mesmo os reis eram
analfabetos.
Na Idade Moderna
o papel da Burguesia mudou os rumos de como a Historia era contada.
Interessados em comércio e indústria, promoveram um fenômeno de urbanização dos
reinos. Devido à expansão comercial pelas Grandes Navegações do sec. XV e XVI
os burgueses puderam levar seus ideais humanistas praticamente a todos os
recantos do planeta, deixando de lado a panorâmica teológica do período
anterior e colocando o homem no centro do mundo outra vez.
Os burgueses
entraram em contato com a filosofia grega pelos árabes, promoveram o
liberalismo econômico e o racionalismo, e os estudiosos humanistas começaram a
usar de técnicas novas de análise de documentos históricos como a Cronologia (estudo
da fixação das datas), Epigrafia (estudo das inscrições), Numismática (estudo
das moedas), Sigilografia (selos e sinetes), Diplomática (diplomas), Onomástica
(nomes próprios), Heráldica (brasões), Genealogia (linhagens familiares), Arqueologia
(vestígios materiais antigos), Filologia (escritos antigos). Essas são as
disciplinas que auxiliam até hoje a Historia no papel de desvendar o passado.
O Racionalismo é
sucedido pelo Iluminismo, Idealismo, Empirismo e Positivismo. Os iluministas
viam a Historia protagonizada pela razão humana. O pensamento é que guia a evolução
progressiva dos seres humano no tempo. A humanidade dominará ainda mais a
natureza e a si mesmo para o crescimento. Gerou-se um otimismo na capacidade
individual humana de trabalhar para o seu próprio progresso que vem através da
liberdade, contra as forças dos reinos e da Igreja. Nascem estados nacionais
com o mesmo ideal, fortificados pelo financiamento privado de burgueses e/ou
intelectuais. Surgem inúmeras sociedade de pesquisa, governamentais ou
particulares.
O que interessa
não é mais a Historia da espécie humana, mas sim das nações para criar uma
identidade nacional coesa; é uma Historia escrita sempre sob o viés político. É a política que decide sobre a
Historia, portanto. Seus Historiadores são conhecidos como românticos, pois
falam do passado de seus povos com saudosismo e nostalgia. Esse nacionalismo
europeu cria alianças e gera concorrências acirradas que vão fazer eclodir uma
Grande Guerra Mundial e posteriormente a Segunda.
Contra essa
visão restritiva de olhar a Historia nasce uma teoria criada por Hegel: a Lei da Dialética,
segundo a qual a Historia gira conforme a oposição de contrários que geram
sempre uma nova realidade que não é nem parte da primeira nem da segunda (tese,
antítese, síntese).
A evolução da
humanidade não é retilínea e indefinida, mas dialética (proposta, resposta e resultado).
Nasce no século XX o Materialismo Dialético e Histórico, nascido das mentes de
Karl Marx e Fiedrich Engels. Estes são ligados a uma tentativa de transformação
revolucionária da sociedade capitalista burguesa vigente, pois acreditam que
não basta somente estudar a Historia, é preciso mudá-la. Mas o que é o
Materialismo Histórico afinal?
O Materialismo
mostra que os homens para sobreviver transformam a natureza,e dominando-a, conseguem pular para
um outro estágio: dominar o próprio homem.Em toda a Historia das
civilizações há um combate do homem contra o próprio homem. Mas esse domínio não é de todos
com todos, mas de classes bem favorecidas economicamente sobre as menos
favorecidas. Por isso, para Marx e Engels, não é a Política que comanda as
decisões globais das sociedades, mas a Economia (produção dos meios de
consumo). Pois as
relações entre quem produz e quem consome pode se ver também no olhar sobre os
países, quando tínhamos países escravizados, conhecidos como colônias, que
davam comida e riquezas através de seu trabalho árduo e tratamento desumano
para os países ricos europeus.
Já os franceses
iniciaram na década de 30 uma escola de pensamento histórico-crítico conhecida
como “Escola dos Anaes” ou simplesmente “Escola Francesa” liderados por Marc
Bloch e Lucien Febvre. Em vez do estudo dos fatos singulares, estudam-se as
estruturas sociais macro (economia, política, cultura, religião, sociologia
etc) e aceitam a Historia total, sob todos os aspectos humanos e áreas do
conhecimento e não somente pelo viés político ou econômico.
Mesmo assim
sempre houve uma tendência a prevalecer no estudo da Historia uma visão
unilateral, fechada dos europeus: o eurocentrismo. Foi a Segunda Guerra com as
atuações de sucesso de países como Estados Unidos, Japão e Rússia que o olhar
se descentraliza para nações insurgentes no cenário mundial. Hoje em dia a
Europa não é mais o centro do mundo e explicar a Historia da humanidade só pelo
lado do Ocidente não tem mais razão de ser. Cresce um desejo de se estudar a “Historia
das civilizações” já por conta da “Escola dos Anaes”.
Muitos ainda
começam a se interessar pela chamada “Historia Serial” que não está preocupada
com as mudanças, mas com as permanências. Não pontuam momentos de transição de
um período na Grande Historia para outro, mas o que era comum neste ou naquele
povo segundo características que nos são universais enquanto seres humanos: a Historia do medo, da alimentação,
do sexo, das classes, até mesmo os detalhes do cotidiano contam dentro dos
agrupamentos sociais nessa nova consciência histórica.
Começou-se a
criticar, por exemplo, o fato de que a Historia oficial era entendida apenas
enquanto Historia escrita. Não se valorizava a oralidade. E por outro lado
ainda tem o fato de que existem grupos sociais dominantes que mesmo de modo
implícito e não expresso, controlam os dados escritos, documentos e relatórios
da realidade a seu favor. E são sempre os que leem que fazem esse controle,
nunca os pobres, nunca as mulheres, nunca as classes minoritárias, nunca os
escravos, nunca os trabalhadores. A Historia não é contada pelos perdedores,
mas pelos que vencem e sobrevivem. Onde ficam os dois lados da moeda? Existirá
imparcialidade na Historia?
Algumas mudanças
são patentes hoje: antes os historiadores faziam o que lhes ordenava, hoje
escolhe seu objeto, seu modo de pesquisa, seus instrumentos, sua maneira de
expor o material conclusivo. Quanta mudança! Hoje não são mais neutros ao
olhar, imunes ao criticar. Além do mais não é só o Historiador que analisa a
realidade. Todos nós temos instrumentos suficientes para debater e rebater.
Todos nós estamos inseridos na Historia e fazemos a Historia! Não são os homens
do passado que a controem. Somos nós que contruiremos o futuro que um dia
passará. E nesse dia seremos passado também!
Hoje a Historia
não trabalha sozinha, mas aliada a outras Ciências Humanas como Psicologia,
Sociologia, Antropologia, Economia, Demografia, Filosofia, Ciência Política
etc). Preconceitos como comparar sociedades e enquadrá-las em desenvolvidas e não-desenvolvidas
são anacronias. Povos indígenas nada tem de inferiores em relação à sociedade
europeia. Assim valorizam-se as diferenças, pois é o diferente que produz o
novo.
Enfim, não dá
pra se tirar lições de moral da História nem buscar uma filosofia de vida a
partir dela, mas dá para reconhecer-se como um membro vital dessa realidade que
nos faz indagar sobre nós mesmos em todo tempo e lugar pois a “Historia é filha
do seu tempo” e nós somos “Filhos da Historia” e senhores dela!